A relação entre consumidores e planos de saúde é tema de constante debate jurídico, e uma questão que tem chamado a atenção é a exigência de cumprimento de carência para atendimentos de emergência. A prática, muitas vezes adotada por operadoras, tem sido alvo de críticas e análises sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 51, inciso IV, prevê que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Dessa forma, exigir que o consumidor aguarde o término do período de carência para atendimentos de emergência pode ser enquadrado como prática abusiva.
A emergência médica não espera carências, e é nesse contexto que a imposição de prazos de espera para o atendimento contraria a lógica da prestação de serviço essencial. Tal conduta não apenas desrespeita o princípio da boa-fé objetiva, mas também pode configurar falha na prestação do serviço por parte da operadora de planos de saúde.
Além disso, a imposição de carências para atendimentos emergenciais pode gerar danos morais ao consumidor. A espera por assistência médica em situações de urgência pode acarretar agravamento da condição de saúde, angústia e sofrimento, aspectos que não podem ser ignorados.
A jurisprudência tem reconhecido a ilegalidade dessa prática, respaldando a ideia de que a espera por atendimento emergencial não pode ser condicionada à observância de períodos de carência. Nesse sentido, consumidores que se depararem com tal situação podem buscar respaldo judicial para pleitear não apenas a imediata cobertura do atendimento, mas também indenização por eventuais danos morais sofridos.
Esse foi o entendimento adotado pelo Juiz DIEGO COSTA PINTO DANTAS, nos autos do Processo 0801950-39.2023.8.20.5121, que tramitou na 3ª Vara da Comarca de Macaíba, que ocorreu contra a UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO.
A conduta da promovida revela-se abusiva, pois implica, no plano concreto, na inutilidade do negócio protetivo, ferindo a boa-fé contratual e contrapondo-se à função social do contrato (art. 421 e 422 do CC).
Cumpre esclarecer, sob esse aspecto, que a norma de regência (Lei 9.656/98) assegura como obrigatória a cobertura do atendimento nos casos de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional
Em suma, a imposição de carência para atendimentos de emergência por parte de planos de saúde é uma prática que, além de ferir os princípios fundamentais do CDC, pode configurar falha na prestação do serviço, ensejando a possibilidade de reparação por danos morais. A jurisprudência solidifica o entendimento de que a proteção do consumidor deve prevalecer, garantindo acesso imediato a serviços essenciais, principalmente em momentos críticos para a saúde do beneficiário.
Para fundamentar sua decisão, o Ilustre Magistrado apresenta o entendimento de um importante julgado, o Agravo Interno no AREsp n. 2.233.251;
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DA DEMANDADA.
1. "Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, é abusiva a limitação de utilização do plano de saúde no período de carência nos casos de urgência e emergência. Incidência do enunciado n. 83 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça."(AgInt no AgInt no AREsp 1925187/PE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/02/2022, DJe 21/02/2022);
2. Segundo a jurisprudência desta Corte, o mero descumprimento contratual não enseja indenização por dano moral. No entanto, nas hipóteses em que há recusa indevida de cobertura de tratamentos de urgência ou emergência, há configuração de danos morais indenizáveis. Precedentes.
3. A admissibilidade do recurso especial exige a clareza na indicação dos dispositivos de lei federal supostamente contrariados, bem como a explanação precisa da medida em que o acórdão recorrido teria afrontado cada um desses artigos, sob pena de incidência da Súmula 284/STF.
4. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 2.233.251/CE, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 29/5/2023, DJe de 1/6/2023.).